Recentemente vi a mais recente animação do diretor japonês Satoshi Kon, Paprika, e resolvi aqui expor algumas idéias.
Satoshi Kon está cada vez mais se tornando um diretor crucial para a manutenção do ideal criativo da animação japonesa. Considero hoje como um dos maiores autores/diretores do Japão. E se não tem ainda o mesmo reconhecimento de Miyazaki, é só uma questão de tempo. Os seus trabalhos que incluem os filmes Perfect Blue, Millenium Actress e Tokyo Godfathers, além da série Paranoia Agent, procuram confundir as barreiras entre o imaginário (psicológico) e a realidade. Entre o caráter criativo e as barreiras da sociedade, entre a loucura e a razão nos seus aspectos libertários ou de estorvo. Além disso, como em Tokyo Godfathers ou em Paranoia Agent, procura de algum modo ver o lado obscuro do Japão no seu aspecto social mais camuflado, os mendigos e sem teto, que por sua vez nos remete novamente a dicotomia da aparência (o aspecto irreal de limpeza e perfeição da sociedade japonesa) e a realidade subjacente (a pobreza, o abandono, a miséria e solidão). Mas vamos ao filme em questão.
Spoilers ahead! Não leia se não viu o filme!
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Um dos temas mais presentes nessa obra-prima são figuras mitológicas, que em si já carregam forte caráter simbólico, cheios de significados a serem explorados especialmente no ramo da psicologia. Sou bastante leigo nessa área, portanto perdoem-me qualquer incorreção.
Há um breve passagem da figura de Édipo, onde Paprika faz o papel da Esfinge. Na mitologia a Esfinge é um ser aterrador que devorava homens se não resolvessem o seu enigma: O que anda de quatro patas pela manhã, duas patas à tarde, e três à noite? Édipo resolveu o enigma respondendo que era o homem, que engatinhava quando bebê, andava em dois pés quando jovem, e na velhice precisava da ajuda de uma bengala. Nessa figura da Esfinge poderíamos projetar o próprio ideal da psicanálise: a resolução dos problemas da alma. O mito de Édipo também é bem famoso pela uso que o psicanalista Freud fez como alegoria das relações inconscientes entre filho e mãe (ou filha e pai). O que explica um pouco o forte caráter possessivo/sexual de satisfação pessoal do personagem Osanai.
A própria personagem Paprika se reveste como uma espécie de fada ou Psique ornamentada com suas asas de borboleta, que na mitologia representa a alma - a borboleta como símbolo da beleza e liberdade do ser (o espírito), que se desfaz de seu corpo limitado de lagarta. Em um dos momentos decisivos da trama, Paprika se vê aprisionada pelo Dr. Osanai que se apresenta em sonho como um colecionador de borboletas (talvez uma referência ao livro de John Fowles, base para o filme O Colecionador). Apesar de de ter motivações mais pessoais (seu desejo sexual, ou de possesão), serve a também sonhos egoístas do presidente do laboratório Seijiru Inui, que perdido em suas desilusões tenta sabotar o próprio mundo psicológico de todo o Japão.
Não li o romance original de Yasutaka Tsutsui , no qual o filme foi baseado, mas se o filme já possui tantas camadas a serem exploradas, imagine o livro. Fiquei curioso.
Realmente um belíssimo filme. Talvez o melhor que assisti esse ano.
Links:
Paprika - SonyClassics
Paprika - My Space
Paprika - New York Times